terça-feira, 9 de junho de 2020

Não somos tão importantes assim


Que o leitor saiba que não falo mal do fazer jornalístico especificamente, esse, durante a pandemia do novo coronavírus, tem exercido papel fundamental e de elevado destaque, mas sejamos honestos e mais críticos do presente. Falo aqui, em particular, da geração como um todo e a tendência de acreditarmos em possuir algum lugar especial na prateleira da história.O mundo já enfrentou uma pandemia que dizimou um terço da vida humana no continente europeu. O país também já viu demagogos e ditadores mais perigosos e destruidores da pátria do que um pária social de baixíssima qualidade intelectual e que, se observamos bem, temos mais um motivo vexaminoso em deixá-lo assumir a presidência por meios legais, do que uma procedência inspiradora de luta democrática. Dirijo esse texto para os amigos jornalistas que, provavelmente, vão escrever os capítulos contemporâneos da nossa história: como geração, não somos tão importantes assim.


A peste negra que assolou o mundo e, principalmente, a Europa e Ásia de 1346 a 1353, na melhor e mais otimista das estimativas, matou 75 milhões de pessoas. Responsável por profunda transformação cultural do mundo no século XIV, a peste mudou o cenário geopolítico do globo. Há especialistas, como Millard Meiss, que defendem um retrocesso nas artes dessa época; a pintura, por exemplo, que seguia rumo a um humanismo, consolidado pelo período renascentista mais à frente, encontrou, após a peste bubônica, uma volta ao cenário amedrontado do temor aos castigos divinos. Pensemos até na mais recente gripe espanhola que chegou a matar entre 40 e 50 milhões de pessoas nos anos de 1918 e 1919. A famosa caipirinha é um derivado de um suposto remédio caseiro que ajudaria no combate à doença, não parece termos evoluído muito nisso, mesmo 100 anos depois. O que procuro dizer é que não temos um lugar tão especial assim na história. Devemos considerar imensamente o respeito e empatia àqueles que perderam a vida para o novo vírus, mas ainda não nos encontramos no mesmo lugar de sofrimento de pandemias passadas. Ao contrário, devemos nos enrubescer pela infâmia do que poderíamos ter evitado.


Albert Camus, escritor e filósofo franco-argelino, que viveu a gripe espanhola na infância, escreveu, no seu livro “A Peste” de 1947, essas palavras : “Houve no mundo tantas pestes quanto guerras. E, contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas.”. Não seria mais um motivo de vergonha termos que enfrentar outra pandemia como meros “desavisados” do destino e amedrontados pelo castigo divino? Sabíamos as probabilidades de uma doença assim acontecer. A Sars em 2002, mais tarde a H1N1, foram sinais, mas fingimos não termos parte nisso e perdemos quase meio milhão de vidas por uma completa incompetência administrativa e descaso com a vida. Se acreditarmos que somos especiais, seremos lembrados apenas e, especialmente, pela inabilidade de gerir uma crise sanitária e humana com as ferramentas e conhecimentos adquiridos por todos os séculos de sofrimento do ser humano.


É esse ponto, mais do que a incompetência, encontramos, no Brasil, o desprezo pela vida de milhões e o desdém pela morte de milhares. Temos no mais alto posto da república um ser ignominioso, um infame que vem dando seguidos exemplos de maus tratos ao povo mais exposto pela ação devastadora da doença. Rodrigues Alves, que uma vez já ocupou o mesmo cargo, sofreu da gripe espanhola e faleceu em ocorrência da mesma. Hoje é o presidente que faz sofrer e, mais, muito mais, deprecia a dor sofrida pelo povo a quem lhe deve a devoção. Pois então, o que de especial tem a geração que permitiu a eleição de um ex-capitão do exército que criou sua vida política defendendo o indefensável? Da tortura à morte de seus opositores, já se sabia o que teríamos em seu mandato, a doença veio apenas escancarar a sua maldade e desamparar ainda mais uma nação que convive com uma crise política interminável.


Em um país que já teve o marechal de ferro Floriano Peixoto, o ditador Getúlio Vargas e o capítulo manchado da recente história com a cúpula da ditadura militar no país. O atual presidente é muito mais vexatório que digno das páginas na memória do Brasil. O atual governo é o contraponto óbvio do bom senso, um caos estapafúrdio, uma presepada republicana. O que rebaixa ainda mais seus opositores e não lhes guarda qualquer presença meritória no panteão de defensores da democracia. Tenhamos noção do buraco que afunda cada dia mais o Brasil e não nos esqueçamos que somos parte dessa narrativa. Não há glória em defender o óbvio e lutar contra a imprudência crua da estupidez. Não esperemos elogios por fazer o mínimo.


Aos amigos do jornalismo, que estão escrevendo diariamente as páginas da história, tomemos o nosso lugar de vergonha e não de grandiosidade. É dito e comprovado: fracassamos e retrocedemos. Então devemos gravar o presente como o erro que é, mostremos ao futuro o que não fazer e que deixemos esse presente, com tanta cara de passado, o mais pretérito possível.

domingo, 28 de outubro de 2018

Quem Pariu Bolsonaro Que Balance


Quem (puta que) Pariu Bolsonaro Que Balance



O ex-capitão da reserva não chegou à presidência sozinho, não foi um acaso do destino e nem foi uma anomalia democrática. O filhote de uma esquisita mistura entre Jânio Quadros e Médici é uma quimera criada e alimentada pela mídia, novas tecnologias e a indiferença política ancestral do povo brasileiro.

O meu primeiro sinal vermelho na trajetória assustadora, mas até então canastrona e galhofa de Bolsonaro foi a sua entrevista para a revista playboy em março de 2011. Pois veja bem que eu, na época, com apenas 15 anos o achava engraçado, mas aquelas palavras não eram exatamente engraçadas como quando ele aparecia no CQC. Ainda assim, eu bati palma para aquele ‘maluco’ que me chamou atenção nas redes sociais com um discurso violento, mas bem mais próximo de mim do que qualquer outro político.

Eu bati palma para o maluco.

A Playboy bateu palma para o maluco.

O CQC levantou uma salva de palmas para o maluco.

Segundo sinal vermelho foram nas manifestações de 2013, eu acabara de chegar na faculdade, muito jovem, mas estava lá. Acompanhei, em Aracaju, as manifestações contra o aumento da tarifa de ônibus. “Não pago” foi o movimento que iniciou a luta por uma passagem gratuita aos estudantes aracajuanos.

 Pensar que lutávamos por tarifa gratuita e hoje já se luta para não o mínimo de direitos

Enquanto escalava e cresciam os números de manifestantes nas passeatas. Na internet, pessoas bem diferentes e contraditórias se viam interessadas nas mesmas caminhadas. Os ‘sem partido’ juntaram-se aos movimentos sociais de esquerda – como o ‘não pago’ – que tinham bandeira e também partidos. Até o ponto dos “sem partido” arrancarem e rasgarem, literalmente, as bandeiras (dos partidos). Já na internet, uma alma que não recordo o nome ou origem citou Bolsonaro enquanto apoiava EM LETRAS GARRAFAIS o linchamento “bandeiral” nas manifestações.

Os “sem partido” bateram palma e rasgaram bandeira para o maluco.

O terceiro sinal vermelho veio – adivinhem onde – NA INTERNET, por volta de 2015 quando foi cogitado o nome de Bolsonaro para prefeito do Rio de Janeiro. Os seus seguidores já formavam uma horda barulhenta e assustadora. Foi aí também que começou a preocupação, imaginando sua presença nos debates, o que poderia ser preocupante. O estilo tosco, direto e populista ganharia popularidade rapidamente, algo como o cabo Daciolo fez em 2018. “Quando ele aparecer nos debates vai estourar, numa próxima eleição seu nome pode ser forte”, eu imaginava.

A maior ironia foi Bolsonaro nem ao menos participar dos debates.

            Ele não precisou participar. A democracia ganhou uma nova ferramenta: a bendita internet e grande parte do eleitorado agora já tinha acesso ao ex-capitão sem precisar passar pela grande mídia para isso. Nesse momento, já me passava um frio na espinha e borboletas antifascistas se remexiam no meu estômago. O WhatsApp – aplicativo blé blé blé blá blá blá – democratizou, de uma vez por todas, a distribuição de ideias. Todo mundo sabia quem era Bolsonaro e, com Lula fora da jogada, ele estava dando as cartas do jogo.  

Já não sou só eu e nem são mais a Playboy, o CQC ou os “sem partido”.

Agora o povo brasileiro conhece e bate palma para o presidente eleito Bolsonaro.

           Parado escrevendo essas palavras no dia 28 de outubro de 2018, ouço de longe fogos, carros e motos fazendo um barulho ensurdecedor, mas que ainda assim, parecem muito longe, talvez eu só esteja do outro lado desse muro democrático.

           Do lado de cá eu não vejo muita coisa, realmente não consigo decifrar um futuro próximo. Eu só espero ter muita força para balançar. Não pretendo chacoalhar o presidente, e nem em última hipótese quero que caia. O jogo tem que continuar e eu prefiro embalar minha gente para que lembrem que apesar de um tal ser amanhã há de ser outro dia e que lutemos infindavelmente por nossa democracia. 

A.T.Cardoso

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Cordel de estreia

Eu vou arriscar minhas letras
Riscando nesse papel
Silabicamente à risca
Faço minha estreia em cordel
Rabisco sem intenção
Mas à tradição sendo fiel

Essa é a primeira tentativa
De escrever sobre que admiro
Por que não começar, então
De modo metalinguístico?
As palavras são o que são
Indo além no cordel escrito

Parece magia assim rimar
Encanta do ouvido ao pé
Se mágica não se explica
Cordel explicado já é
Fazendo uma analogia:
Houdini aqui é Assaré

Nordestino que é cordelista
Nasce com fala da gente
Escreve poesia falando
Mas não é poeta somente
É tradutor de sentimento
Pois cabe tudo num oxente.

                                      A.T. Cardoso

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

É pra frente que se volta

Vai na fé
(meu amigão)
Não olha pra cá
Teu futuro te espera
O mundo é essa esfera
Que nunca para de rodar
O mundo continua a girar
Em uma dessas voltas
Você tá de volta
Sem esperar
Volta
já já
                             A.T. Cardoso

Solidária Poesia


Em cada momento velho que escrevo
uma nova emoção me representa
por sentir tanto é aqui que me descrevo
para quem assim inteiro me atenta

aquilo que me inspira é
em um eterno momento
interno, o presente que expira
guardado em testamento

pois perdido estaria
sem a tal extraordinária
capacidade ou ordinária mania
de escrever poesia

peço, muito mais, porém, que entendam
que amem, que sofram e se percam
nas palavras que minhas são
mas sentidos que seus serão.

                                          A.T. Cardoso

terça-feira, 4 de julho de 2017

Ego Sou O Ego

Eu, por me achar invencível
O Aquiles da perseverança
Tenho o calcanhar exposto
Do tamanho da minha confiança
Que se alastrou por todo corpo
Matando-me, aos poucos, de esperança

Um Narciso sem espelho
Incapaz de analisar
A beleza e o desmantelo
A loucura e o desejo de eternizar
Vontades e ideias impossíveis
Verdades e mentiras possíveis

Um filho do eu e mais ninguém
Um recado ao pai de quem
Fez-se um mito do perfeito, pois
Todo homem é estreito
É a ponte entre Deuses e mundanos
É a lenda dos imperfeitos

Os ângulos da história sujeitos
ao sujeito                            A.T. Cardoso

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Soucial

Eu sou
um pedaço de cada círculo
cada roda que me rodeia
constitui um lado meu
polígono de identidade
meu todo é desconhecido
sou filho do fragmento
sou pai da unidade

no teatro da verdade
personagens impersonados
redondos e quadrados
de um mofado Morfeu
e, talvez, o melhor reflexo
seja esse narciso sem nexo
o derradeiro rosto meu
sou eu.

                                      A.T.Cardoso